A polêmica sobre a influência nociva ou não da cultura alienígena que tem impregnado a tupiniquim, é uma velha história. Existem acusadores moderado e xenófobos do colonialismo cultural, assim como defensores discretos e deslumbrados. Por sua grande penetração a Música Popular foi muito envolvida no processo. É um lugar comum dizer-se que a música não tem fronteiras. Concordo, afinal seu caminho é o éter, que não tem dono, mas faço um questionamento: a BOA música, essa sim, não deve ter barreiras, como não tem idade.
Obras bonitas e bagulhos surgiram tanto ontem como nascem hoje. Faço apenas uma ressalva: antigamente o acesso ao disco e à divulgação era muito mais difícil, o que condicionava uma melhor seleção dos artistas e das obras. Sem saudosismo, o espernear é contra a música indigente que nos é impingida pelas multinacionais, que chega aqui com a matriz pronta, sem impostos alfandegários, a preço mínimo, numa concorrência desleal ao que é criado aqui. Sérgio Ricardo fala desta infiltração: “Há um dado elementar: a facilidade com que os “tapes” vêm do exterior. As fábricas não investem absolutamente nada, não tem nenhuma despesa de produção, só tem mesmo que prensar o disco, fazer a capa e jogá-lo a um público condicionado de longo tempo com a música americana, estrangeira.” Mas será mesmo desleal esse envolvimento? Ouçamos a opinião de um homem com 50 anos de música popular nas costas, com sucessos como: Pastorinhas, Carinhoso, Copacabana: Braguinha. “Desleal? Vamos dizer uma coisa: ao ser assim o livro estrangeiro faz uma grande concorrência ao livro nacional, o perfume estrangeiro ao perfume nacional.” O grande compositor, aliás ex-diretor artístico de gravadora, esquece o seguinte: no caso do disco os nossos músicos, técnicos, o cantor, o produtor não vêem a cor do dinheiro, enquanto no livro traduzido ganha o editor brasileiro, o tradutor, a gráfica, o gráfico, o fabricante de papel.
Além de tudo a coisa é díspare, pois são editados muito mais best-sellers estrangeiros do que livros nacionais. Para ele os dirigentes de gravadoras multinacionais são: “comerciantes que fazem publicidade e propaganda de seu produtos, como os que vendem tecidos.” Comparar arte com tecido é um pouco forte. Quando um patrimônio do nosso cancioneiro pensa assim, já se vê que a coisa é complicada. O pior é a cumplicidade dos comunicadores, principalmente os de rádio e discotecários inescrupulosos, aliciados pela famosa propina chamada “jabaculê”. É uma forma de entreguismo como outra qualquer.
Vanzolini também se manifesta sobre o assunto: “Eu pessoalmente não vejo na música estrangeira nenhum inconveniente para a cultura nacional. O mal que vejo é a pressão de propaganda e a manipulação comercial, que afastam deslealmente, nossa música da camada ainda impressionável do público consumidor. E principalmente porque essa pressão é feita não em favor da boa música, mas sim para empurrar algum do pior lixo que flutua pelos mares internacionais.”
Muitas vezes não existe pressão, nós mesmos é que nos atiramos nos braços dos gringos. Hoje em dia é comum o artista ir gravar no exterior, argumentando melhores recursos técnicos, sacrificando com essa postura principalmente os músicos nacionais já com campo de trabalho restrito. É ingenuidade achar que podemos enfrentar a máquina dos grandes grupos externos e fazê-la enguiçar. Seria quixotesco e pouco inteligente, pois ela de vez em quando fabrica algo saudável.
Mas o que prevalece, infelizmente, é a música consumo definida assim por Umberto Eco: “é modelo típico onde a fórmula procede a forma, à invenção, à própria decisão do autor. O êxito é obtido unicamente imitando os parâmetros, e uma das características do produto de consumo é que diverte, não revelando algo novo, senão repetindo-nos o que já sabíamos o que já esperávamos asniosamente ouvir repetir o que nos diverte. “É verdade que temos que defender as raízes, com denodo, mas sem porra-louquice, pois o excesso de defensivo pode também matar a planta. Nós sempre importamos ritmos sem que isso tenha maculado a brasilidade do artista de valor.
Os incompetentes é que se deixam dominar. Pobres de espírito como Simonal, capaz de declarar essa sandice: “Eu tenho raízes jazzísticas e até americanizo as músicas. Isso não é vigarice. Feio é cantar música tradicional com caixa de fósforo em mesa de bar.”
Vejamos exemplos de gente brilhante que compôs músicas de outras plagas sem que isso a diminuísse em nada: Noel Rosa fez fox-trotes e rumba, Pixinguinha schottisch, fox e tango em espanhol; Custódio Mesquita fox-canção, fox-blue, boleros; Lamartine charleston e foxes, Chico Buarque valsa, tango e bolero, Orestes Barbosa e Gilberto Gil rumbas; Capitão Furtado, expoente da música caipira criou boleros e foxes. Aliás a música feita pelos compositores rurais sempre foi recheada de polca paraguaia, guarânia, habanera, bolero. David Nasser compôs bolero e valsa-bolero (?); Capiba “frevista”também fez fox-trotes; o grande sambista Wilson Batista foi um alquimista, fabricando boleros, chá-chá-chás, foxes, calipsos, rock-baladas; Eduardo Souto ganhou concurso de tango na Argentina! A pioneira Chiquinha Gonzaga abafava com seus schottisch, habaneras e mazurcas. A música regional baiana, maior sucesso no momento é reconhecidamente uma mistura de vários ritmos como reggae, calipso e rumba. Outro filão das gravadoras, o rock nacional, tem pelo menos o mérito de ser fabricado e consumido aqui mesmo, apesar de na maioria das vezes causar engulhos. Vejam só o paradoxo: enquanto Caetano Veloso espantava e irritava ao colocar guitarras elétricas acompanhando “Alegria, Alegria”, Edu Lobo, Gil e Elis em 1967 participaram de uma passeata contra as mesmas guitarras, simbolizando um protesto contra a invasão da música estrangeira e defesa das raízes da MPB. Uma fase da invasão que durou mais ou menos duas décadas, de 40 a 60, foi a dos boleros. Os maiores astros latino-americanos aterrisavam aqui até 1946 atraídos pelos Cassinos e depois continuaram vindo na esteira do gosto popular. Desfilaram Ortiz Tirado, Pedro Vargas, Libertad Lamarque, Elvira Rios, Tito Guizar, Hugo del Carril, Trio Los Panchos, Fernando Albuerne, Augustin Lara, Gregório Barrios, Lucho Gatica, Bienvenido Granda. Não sejamos rigorosos com eles, eram todos artistas classe A e não chegaram a provocar maiores reações nos chauvinistas. Depois quem é que passado dos quarenta nunca se surpreendeu cantarolando: “solamente una vez, amé en la vida…”
Os americanos do norte, esses sim, é que penetraram insidiosamente, adoçando nossa boca durante a Segunda Guerra Mundial com a tal “política da boa vizinhança” de Roosevelt, e apertando o cerco depois do término desta. Antes disso, com o advento da voz no cinema os basbaques nativos já começavam a papaguear em inglês. Os compositores mais inteligentes estavam de olho no fenômeno e se manifestaram. Noel Rosa, de maneira genial detectou e expressou no “Não Tem Tradução”:
O cinema falado
É o grande culpado
Da transformação
Dessa gente que pensa.
Que um barracão
Prende mais que um xadrez
Lá no morro
Se eu fizer uma falseta
A Risoleta
Desiste logo do inglês e do francês
A gíria que o nosso morro criou
Bem cedo a cidade aceitou e usou
Mais tarde o malandro deixou de sambar
Dando pinote
Na gafieira dançando o fox-trote.
Noel não perde a chance de alfinetar as orquestras que se apresentavam nas gafieiras com o pomposo nome de “jazz-bands”.
Essa gente hoje em dia
Que tem a mania
Da exibição
Não se lembra que o samba
Não tem tradução no idioma francês
Tudo aquilo que o malandro pronuncia
Com a voz macia
É brasileiro, já passou de português.
Amor lá no morro, é amor pra chuchu
As rimas dos sambas não são “I love you”
E esse negócio de “Alô, Alô boy, Alô Jone”
Só pode ser conversa de telefone.
Anos depois Laurindo de Almeida compõe um samba com nome estranho, “Mulato Anti-metropolitano”, um conservador:
Sei de um mulato que não gosta da cidade
Diz que isto aqui por baixo não é para ele não
Prefere o morro, dispensa o cinema
E neris de fox-trot, é do samba-canção.
Assis Valente sabia ser trágico ou ferino. Em “Good-bye” gravado com sucesso por Carmem Miranda em 1933 é satírico:
Good-bye, good-bye boy
Deixa a mania do inglês
É feio pra você moreno frajola
Que nunca freqüentou as aulas da escola.
Não é mais boa-noite, nem bom dia
Só se fala good-morning, good night
Já se desprezou o lampião de querosene
Lá no morro só se usa luz da light.
Jurandir Santos em “Alô Jone”, do mesmo ano reforça a denúncia:
Alô Jone, cambeque pra folia
Se não reve mone
Não faz mal
Alô, Alô Jone cambeque pra orgia
Inde Brasil
Reve muito chope, op, op.
American if drinque
Não estope, op,op.
No Carnaval no bode chilipe
American cambaleia
Come chipe.
Arnaud Rodrigues lamenta o esnobismo da nega mas acaba fraquejando:
Nega besta
Pões a boca torta e diz que fala inglês
Diz que foi criada nos states
Deformou meu português
Ela deita e antes de dormir
Tem que tomar um “tea”
Quando é de manhã tá tudo feito
Vou na cama com biscoito
E ela faz seu “breakfast”
Ainda pede que eu arranje “coca-cuela”
Ice cream e mortadela
E um tal de coffee com milk
Vê se dá pé, já tô na bronca
Ela diz que é artista
Toda americanista
Qualquer coisa iê, iê, iê
Nega corrupta, nega subversiva
Mas teu amor martiriza
E vou ter que aprender inglês.
Lamartine num “non-sense” espirituoso dá a sua estocada. Eis um trecho de “Canção… Para Inglês Ver”:
I love you
Forget sclaine
Maine Itapiru
Moorguett five underwood
I schell
No bond Silva Manuel
Manuel… Manuel…
I love you
To have steven via-Catumbi
Independence lá do Paraguai
Studbaker… Jaceguai
Iés my glass
Salada de alface
Fly Tox my till
Standard oil
Forget not me
Of!
I love yoou
Abacaxi… whisky
Off chuchu
Malacacheta; Independece day
No street-flesch me estrepei
Elixir de inhame
Reclame de andaime
Mon Paris je t’aime
Sorvete de creme
My girl good night…
Double fight
Isto parece uma canção do Oeste
Coisas horríveis lá do Far West
Do “Thomas Meiga”
Com manteiga!…
“Asfalto Falsificado” mostra um Cyro Aguiar confuso:
Cansei de tanta coisa importada
Cansei de tanto som envenenado
Cansei, e eu que nem sei falar inglês
Venho pensando há mais de um mês
Pra onde vai meu português.
Segundo Titto Santos em “Cadê o Verde” o modismo já chegou bem mais longe do que imaginávamos:
Caboclo agora é mister e só veste blue
E faz declarações de amor
Dizendo I love you.
Chico da Silva e Venâncio em “Tudo Mudou” protestam com uma linguagem empolada:
É o Brasil o país que tem dialeto
O “OKAI” não é nosso, não é concreto
A corruptela de estar ficaria mais certo.
Marku Ribas está profundamente irritado em “Nunca Vi”:
Nunca vi país tão difícil
Pra falar o português, português, português.
Ora pois, oh my brother, I am sorry, I love you
Ninguém se arrisca a vender umbu
Porque cheese-burger agrada mais o freguês.
Lamentável mesmo foi a mania de cantores brasileiros remendarem os americanos (e mal ainda por cima). Alguns se diluíram como Morris Albert, Malcom Forrest e Julian, outros se agarraram à música caipira como tábua se salvação: Chrystian e Terry Winter.
Outro tema explosivo, com opiniões prós e contras, é o das versões. Os defensores argumentam: antes elas que o original; os detratores: nem elas nem os originais. Os versionistas podem ser classificados em dois grupos: os tradutores e os adaptadores. Fred Jorge, um dos mais destacados depõe: “Eu aproveitava as melodias e adaptava e modificava e tanto a letra original que me considero parceiro. Eu praticamente fazia novas letras.” Fez 594 versões, entre elas “Diana”, “Banho de Lua” e “Estúpido Cupido”. Rossini Pinto, cantor e compositor com vários sucessos de Roberto Carlos verteu os Beatles: “Yesterday”, “Michelle”. Chico Buarque adaptou “Jesú Bambino”, Gil foi sucesso com “Não chore não” e fez versão de Stevie Wonder; Haroldo Barbosa fez letras para boleros famosos como “Maria Elena” e “Quizás, Quizás”, “El dia que me queiras” e para a “Polonaise” de Chopin.
João de Barro adaptou a “Valsa da Despedida”, até o poeta Olegárioo Mariano entrou nessa; David Nasser trouxe para o português” Besame Mucho”; Jair Amorim “As Time Goes by”. Lamartine Babo, pôs letra em várias composições de Franz Lehar, “Night and Day”, “Perfídia”, “Star Dust”. Pioneiros também fizeram e gravaram versões. Mário Pinheiro não deixou por menos, do Maria, Mari de Di Capua fez duas, uma chamou Ai Maria e a outra “Descerra-te janela”. Eduardo das Neves pegou a canção napolitana “Vieni sul mar” e transformou-a em “Oh Minas Gerais”. No time entram Eduardo Souto, Orestes Barbosa e muitos outros. Francisco Alves deitou e rolou gravando versões de tudo que aparecia: fox, tango, bolero, opereta. Era uma música fazer sucesso como tema de filme e ele estava lá para abocanhar.
Recentemente Nara Leão lançou um LP só com versões. Na minha opinião não representam nenhum exocet contra a MPB. A seu favor o fato de serem gravadas aqui com artistas brasileiros. De qualquer maneira ainda estamos em desvantagem, pois artistas de relevo nossos como Roberto Carlos, Altemar Dutra, Nelson Ned, conseguiram penetrar no mercado latino-americano mas cantando em espanhol. Sergio Mendes para sensibilizar o público norte-americano teve que salpicar catchup nos seus arranjos de músicas brasileiras. Os exemplos são intermináveis.
Bem, andamos divagando um pouco, agora vamos voltar ao arrazoado da crítica à intromissão na nossa MPB. Há muitos anos Benedito Lacerda e Darcy de Oliveira já diziam que “Isso aqui tem dono”:
É nossa, tem dono
Ninguém põe a mão
É nossa toda essa imensa nação.
É válido o alerta, pois segundo J. Sacomani, Arrelia e E. Consoni, corríamos sério perigo no carnaval de 57:
Você quer um cacho de banana
Mas na sua terra não dá
A banana é do meu país
Veja lá onde mete o seu nariz
Acho uma graça em Mr. Johnny
Em tudo quer ser o tal
Qualquer dia vai querer ser o dono
Até do nosso carnaval.
As Bandas Blacks ouriçaram durante algum tempo mas dois ótimos sambistas estavam de olho nela:
Wilson Moreira e Nei Lopes:
Hoje só tem “discotheque”
Só tem som de “black”
Só imitação
Já não tem mais caixa de goiabada cascão.
Voltaire e Antonio Carlos também empunharam as armas em sua composição “Black Samba”:
Na quadra da escola
O som tá diferente
Tá pintando aí
A nova transação
O movimento é “black”
É som importação, iê, iê, iê
Everbody, iê, iê, iê, alô brother
“Tamos aí”
É muito peso na barra
Fique sabendo entretanto
Não abro mão da poesia
Nem tiro o samba de campo.
Na verdade, os defensores do samba são guerrilheiros temíveis, que não param de mordiscar o calcanhar dos inimigos. Wilson Batista em 1943 já contra-atacava:
Não danço tango, nem swing e nem rumba
Gosto do choro, do batuque e da macumba.
Haroldo Barbosa e Geraldo Jaques voltam às origens em “Adeus América”:
Não posso mais, ai que saudade do Brasil
Ai que vontade que eu tenho de voltar
Adeus América essa terra é muito boa
Mas não posso ficar, porque
O samba mandou me chamar
Eu digo adeus ao boogie woogie, ao woogie boogie
E ao swing também
Chega de fox, fox-trotes e pinotes
Que isso não me convém
Eu vou voltar pra cuíca
Bater na barrica, tocar tamborim
Chega de lights e all rights, good nights
Isso não dá pra mim.
Sergio de Carvalho e Paulo Bruce mandam um recado:
Dê esse recado pra mim
Diz a ela que eu só quero é sambar
Diz que não seja ruim
E que pare esse chá-chá-chá.
Gosto de samba, gosto de sambar
Pare o chá-chá-chá
Diz a ela que eu só vim sambar
Que meu samba vale mais
Que chá-chá-chá.
Mais outro ritmo latino repudiado por Nestor de Holanda e Jorge Tavares em “Irmão do Samba”:
Eu não quero mais ouvir
Da guaracha o bim-bam-bú
Agora eu quero um samba
Ou então o maracatú
Gordurinha com Almira Castilho fez o antológico “Chicletes com Banana”. Com interpretação inesquecível de Jackson do Pandeiro:
Eu só boto be-bop no meu samba
Quando Tio Sam tocar o tamborim
Quando ele pegar no pandeiro e no zabumba
Quando ele aprender que samba não é rumba
Aí eu vou misturar Miami com Copacabana
Chicletes eu misturo com banana.
Em “Do you likes samba?”, Marcelo Duran também ataca:
Do you like samba? I love too
If you love também samba
I love you
Pra poder cantar meu samba
Eu já estou com a perna bamba
De tanto esperar
Pra você me entender
Até inglês fui aprender
Pra me comunicar
Eu conheço muita gente
Que querendo ser pra frente
Bota a cara para quebrar
Compra disco brasileiro
Pensando que é estrangeiro
E vai pra casa esnobar.
Tem um tal de cash box
Que é um cara não me toques
Que faz a programação
Vejo a semana inteira
Uma novela brasileira
E não vi tocar sambão
Os intrusos são denunciados no samba de Noca e Mauro Duarte “Isso tem que acabar”:
Quanta gente bonita
Vestida de chita
Querendo sambar
Quanto mulato maneiro
Que fez samba o ano inteiro
Pra ver sua Escola brilhar
No carnaval
E quando chega fevereiro
Na escola só tem estrangeiro
Querendo esnobar
Bota mulato e mulata de lado
E faz um samba quadrado
Pra TV focalizar
Isso um dia tem que acabar.
O vanguardista Carlos Lyra quando lançou “Influência do Jazz” em 1961 foi muito hostilizado. Teve que se defender: “Sou a favor das influencias estrangeiras desde que não violentem as raízes culturais nacionais.”
Pobre samba meu
Foi se misturando
Se modernizando
E se perdeu
E o rebolado, cadê, não tem mais
Cadê o tal gingado
Que mexe com a gente
Coitado do meu samba
Mudou de repente: influência do jazz.
João Roberto Kelly em 1964 com “Botando jazz no meu sambão”, engrossou o protesto:
Ontem fui a um samba diferente
Quase que chorou meu coração
No pé, era balé, não era samba
E como tinha jazz o meu sambão.
Nilton da Flor acendeu-lhe os brios quando exclama: “Tu és brasileiro.” :
Vai… atravesse as fronteiras,
Vê se quebra esta barreira
Que o samba encontra no seu caminhar
Vai… cante um verso, cante o amor, a poesia,
É preciso reforçar a melodia
Do samba que reclama o seu cantar
Vai… só peço a você não cante
O que vem do estrangeiro
Você não entende, tu és brasileiro
A coisa mais linda é o samba no ar.
S. Beto e Valfer nos colocam uma perspectiva assustadora em “Rock enredo”:
Andam dizendo por aí
Que o samba vai acabar
Que a batucada está fora
O samba já não dá
Que o negócio é rock roll
Mas sendo assim o que será
De Nelson Cavaquinho
Até Paulinho da Viola
Vai tocar guitarra
Tenho medo de pensar
Na minha Escola na avenida
Dançando o Rock-Enredo.
O grande compositor Ary Barroso por volta dos anos quarenta já escrevia numa crônica:
“Antigamente não havia “gramática” em samba. E todos entendiam.”
“Antigamente não havia “acordes americanos” em samba. E todos entendiam.”
“Antigamente não havia “boites”, nem “night-clubs”, nem “blacktie”. E o samba andava pelos cabarés, humildes, sem dinheiro.”
Ao morrer, entre várias obras inéditas foi encontrada a que dizia:
O samba não pode ser modificado
Porque não tem bastão
Sambista não é capim
Que nasce à-toa não
Sambista é vocação!
Quem não pode não se estabelece. É mais ou menos isso que Mário de Andrade, respaldado, em sua vasta cultura musical, quer dizer quando afirma: “o que fizer arte internacional ou estrangeira, se não for um gênio, é um inútil e um nulo. E é uma reverendíssima besta.”
O radicalismo pode não ser o caminho ideal, mas ser submisso ao dirigismo cultural é aviltante. Tendo certeza que os compositores continuarão lutando contra a ofensiva sistemática e sufocante, com a arma que sabem manejar com mais eficácia: o talento. E com muita fé.
Se alguém disser que o samba acabou
Diga que se enganou, diga que se enganou
E o culpado é o compositor
Diga que se enganou.
O samba teve e sempre terá espaço
Carrega pelo braço
O som que se apresentar
Não se altera mesmo na corda bamba
Quem hoje não toca samba
Um dia ainda vai sambar.
(“Questão de Fé”, samba de Jorge Aragão e Dida”)