É inegável o fascínio que as histórias em quadrinhos exerceram sobre várias gerações, desde que surgiram em 1895 na figura do Yellow Kid, publicada pelo New York World. Rotuladas como leitura marginal, capaz de embotar a mente dos jovens, fora, vítimas de pais e educadores (que as liam no banheiro) e de furibundas ligas de decência. Esforço vão. Elas vinham para ficar, uma bola de neve incontrolável, tendo a empurrá-las a arte americana de disseminação, que espalhou seus “comics” por todo o mundo.
E os heróis surgiram e foram idolatrados. Algumas historietas eram verdadeiros primores na arte do desenho, como Príncipe Valente, Tarzã, Flash Gordon. Brigas teriam que surgir diante de um negócio que se tornava rendodíssimo, como por exemplo Superhomem versus Capitão Marvel. Esta última criação não pôde ser publicada nos Estados Unidos por ter sido considerada um pastiche do Homem de Kripton. Sua importância extrapolava fronteiras e incomodava. Goering, poderoso ministro de Hitler, bradava: “O superhomem é judeu!” Mussolini fazia coro: “Flash Gordon é um propagandista americano.” Uma das senhas americanas durante a Segunda Grande Guerra era: quem é a esposa de Pafúncio? Quando Ferdinando casou com a Risoleta foi capa do Times. Virou peça na Broadway e filme de sucesso. O Dia da Maria Cebola, que muitos donos de casas noturnas no Brasil promovem para atrair mais público, onde as mulheres abordam os homens, originou-se dessa historieta, pois, nesse dia em Brejo Seco, os solteiros eram implacavelmente perseguido. Seu autor All Capp foi sugerido para o prêmio Nobel por John Steinbeck: “é o maior escritor da América.” Popeye tem estátua no Texas, também virou filme com atores humanos e pasmem, personagem de um dos mais nacionalistas de nossos escritores: Monteiro Lobato. Sim, andou passeando pelo Pica-Pau Amarelo. O Apollo 8 e seu módulo lunar foram denominados respectivamente Charlie Brown e Snoopy.
Felinni foi um apaixonado pelos quadrinhos, chegando a declarar: “seria o mais feliz dos homens se pudesse filmar Flash Gordon e Mandrake.” Por falar em Mandrake, Lee Falk, seu escritor, veio ao Brasil há alguns anos e ficou surpreso com o número de repórteres que foram entrevistá-lo e também aborrecido com o teor de algumas perguntas, como, por exemplo, se o Lothar não seria algo mais que um guarda-costas, em outras palavras, se não havia um caso entro os dois personagens.
O cinema, que no início não investira na nova arte a não ser em indigentes mas degustadíssimas fitas em série abriu campo às super-produções. A TV também contribuiu para aumentar a popularidade lançando desenhos aos borbotões. Era portanto previsível que a Música Popular se deixasse sensibilizar por todo esse mundo de fantasia e começasse a cantar os heróis. Este artigo é para mostrar um pouco desse encanto.
Antes um pequeno passeio pela história dos quadrinhos no Brasil.
Nossos pais e avós leram o Tico-Tico surgido em 1905 e que teve seus dias de glória. As coisas ficaram mornas até o aparecimento do Suplemento Juvenil em 1934. Aí começou a mania. Nasceram o Globo Juvenil, Mirim, O Guri, O Gibi. Este último acabou virando sinônimo de revista infantil. Passou também a significar algo em evidência. Dizer “nunca vi seu nome no Gibi” era reduzir a pessoa ao mais ínfimo dos mortais. Sergio Augusto o definiu bem: “O Gibi transformou-se num espantoso culto de imagens, refletindo o que fomos nos últimos 50 anos e o que somos hoje, ou até o que seremos no futuro. “Ei-lo marcando presença em “Cinema Mudo” de Carlinhos Vergueiro:
Cada disco na vitrola
Cada livro na vitrine
Cada fita no cinema
São tantas as promessas
Cada sonho que se sonha
Tanto sangue que se ouve
No jornal falado
No cinema mudo
Beba muito guaraná
Leia sempre um bom Gibi
Mas a potencialidade brasileira começou a vir à tona com Pererê, de Ziraldo, em 1959 e explodindo com Maurício de Souza e sua Turma da Mônica a partir de 1962. Chico Anísio e Arnoud Rodrigues em 1969 lançaram a composição “História em Quadrinhos.” Como curiosidade eis um trecho:
Você passou – quadrinho1
E olhou pra mim – quadrinho 2
Perguntei “dá pé”? – quadrinho 3
Você disse sim! – quadrinho 4
E aí foi só você e eu.
Tarzan nasceu através de Edgar Rice Burroughs, em livro, no ano de 1914. Em 1918 já estava no cinema com Elmo Lincoln. Em 1929 já era sucesso em quadrinhos e o cinema voltou a requisitá-lo com o inesquecível johnny Weissmuller. Noel Rosa e Vadico em 1936 compuseram o engraçado “Tarzan”, o filho do alfaiate.”:
Quem foi que disse que eu era forte?
Nunca pratiquei esporte
Nem conheço futebol
O meu parceiro sempre foi o travesseiro
E eu passo o ano inteiro
Sem ver um raio de sol
A minha força bruta reside
Em um clássico cabide
Já cansado de sofrer
Minha armadura é de casimira dura
Que me dá musculatura
Mas que pesa e faz doer
Eu poso pros fotógrafos
E distribuo autógrafos
A todas as pequenas lá da praia de manhã…
Um argentino me vendo em Copacabana:
“No hay fuerza sobrehumana
Que detenga este Tarzan.”
Os Originais do Samba cantam de bonsucesso, J. Carioca e Bidi, a divertida “Aniversário do Tarzan”:
Quando entrei na mata
Bebi água na cascata
Era uma linda manhã
Os macacos pulavam em festa
Era aniversário do Tarzan.
O Príncipe Lotar e o Mandrake
Chegaram com o fantasma Voador
Tudo era alegria
O Zorro chegou beijando o Sargento Garcia
A Mônica com aquele jeitinho que só ela tem
Bateu no Cascão e no Anjinho também
E fez Cebolinha cantar parabéns.
Volta a ser lembrado por Claudio Tolomei, Joào Bosco e Aldyr Blanc, coitado, já sofrendo os males da civilização:
Olha meu bem o que restou
Daquele grande herói
Sem teu amor enlouqueci
E ando dodói,
Como Tarzan depois da gripe
De emplastro Sabiá
Tomando cana nos botequins
Eu vou me acabar.
Claudio Cartier e Paulo Feital recordam-no nostálgicos:
Quisera.
Eu regredisse em cada dia um mês
Quem dra ouvir Tarzan falar
Pela primeira vez
No MPB SHELL 81 Julio barroso apresentou “Perdidos na Selva “uma salada tropicalista (com orangotango e tudo!):
Perdidos na selva
Orangotangos de tanga no tango
Tigresa em pele botando a mesa
Papagaios, bem-te-vis e araras
Revoando flores, folhas e varas
Ah! Que calor tropical
É sururu, carnaval
Deu febre na floresta inteira
Quando o avião deu a pane
Eu já previa tudinho
Vem Tarzan e a Jane
Incendiando muros neste matinho.
O marinheiro Popeye é um dos mais antigos heróis, tenho sido criado em 1929 por Elzie Segar. Pulou para o desenho animado e mostrando seu vigor virou filme com personagens humanos. Foi responsável por milhares de engulhos infantis provocados pelas conscienciosas mães que empurravam pela goela abaixo dos guris a massaroca verde de espinafre. Paulo Massadas retratou isso bem:
Ai, ai, mamãe me chama de faquir
Eu vou é começar a agir
Diz que tudo me aborrece
Que os problemas me emagrecem
Tenho que me alimentar, ai.
Espinafre no almoço
Espinafre no jantar
É o conselho do amigo Popeye.
“Geléia de Marimbondo” de João Roberto Kely é um concorrente:
Parece até o espinafre do Popái
Quem toma,
Balança mas não cai
Por isso não escondo
Tomo, tomo
Geléia de marimbondo.
Flash Gordon, pioneiro no Brasil, chega na interessante letra de “Kid Supérfluo” de Arrigo Barnabé:
Há muitas naves pelo espaço
Todas procuram o astronauta perdido
Ele viaja sozinho
Buscando a estrela mítica galadriel
É o veterano da amargura
É o vagabundo do espaço
Nem Blade Runner nem Flash Gordon
É o astronauta perdido.
Sergio Lopes e Paulo Coelho parecem que nunca tiveram infância e desmitifica-os em “Era dos Super-Heróis”:
Essa é a era
Era dos Super-Heróis
Batmann e Robin estão aposentados
Tarzan e Jane divorciados
E o Capitão América
Trocou o escudo por um violão
Pantera verde cassou sua filha
Transando a Mulher Maravilha
E o grande Thor deixou cair
Um martelo em cima do dedão
Homem de ferro está enferrujado
Homem Aranha es’ta todo enroscado
E a inflação americana
O Ciborg desvalorizou
O Homem de Vidro já se evaporou
O Homem Borracha já se apagou
E o Capitão Submarino na banheira
Quase se afogou.
E o desfile continua com “Os Super-Heróis” de Toquinho e Mutinho:
Nós somos os Super-Heróis
Defendemos nossa nação
Vivemos nos Gibis
Nas telas dos cines, nos filmes de televisão.
Levamos bandidos, ladrões, malfeitores, larápios
A dormir na prisão.
Eu sou o Homem Aranha
E vou lhes contar um pequeno segredo
Se esqueço da rede subindo num prédio
Eu fico morrendo de medo
Eu sou o detetive Batmann
E ontem à tarde perdi minha agulha
Caiu um botão da minha capa e eu não pude
De noite fazer a patrulha.
Eu sou leal Superhomem
E hoje cedinho antes de ir pro batente
Estava com sono e passei sem querer
Criptonita na escova de dente.
Eu sou o conhecido Hulk
Eu vou revelar um segredo contido
No carnaval, na avenida vou me fantasiar
De abacate batido.
Eu sou a mulher-Maravilha
E super mulher que se preza não mente
Eu fui dar um beijo no meu namorado
E quebrei seus dentinhos da frente.
“Você escolheu errado seu Super-herói” do quarteto Aguillar, Go, Thomas Brun e Dekinha:
Mas o que mais me dói
Você escolheu errado o seu Super-herói
Sou mais o Homem aranha
Na minha teia eu nasço logo em façanhas.
Mas o que mais me dói…
Dr. Silvana, Dr. Silvana,
Você entra em cana.
Superhomem, Hulk, Mandrake, Batman e Robin
Amo vocês do começo ao fim.
Há alguns anos os heróis mais populares eram Luluzinha e Bolinha e o Pato Donald. Isso antes da avalanche de desenhos televisivos. Os leitores devem ter percebido a ausência de Walt Disney nesta pesquisa. Não foi omissão minha, apenas critério em selecionar os que tiveram berço nos quadrinhos. As criações de Disney nasceram no cinema e depois é que saltaram para as revistas. Roberto e Erasmo fizeram a descompromissada “Festa do bolinha”:
Eu ontem fui à festa
Na casa do Bolinha
Confesso não gostei
Dos modos da Glorinha
Toda assanhada, nunca vi igual
Trocava mil beijinhos com Raposo no quintal
Porém pouco durou aquela paixão
Pois bolinha com ciúmes
Formou a confusão
Aninha tropeçou
E os copos derrubou
E a casa do Bolinha
Num inferno se tornou
Bolinha provou que é ciumento pra chuchu
Diz que não gosta de Lulu
Bobinha, que por ele ainda chora
Com tanto pão
Dando sopa no salão
Luluzinha foi gostar
Logo do Bolão.
Outra “Festa do Bolinha” de Jorge Washington:
Vai, vai, vai Luluzinha
Vai ser fogo
A festa do bolinha
Vai haver brotinho à bessa
Pra brincar
E carango à pampas
Pra passear
A moçada é barra limpa
E vai andar na linha
Vai ser fogo
A festa do Bolinha.
“Boi da cara branca” de Helio Matheus, em retorno à infância:
Já faz alguns anos que você nasceu
Sempre levado e encucado assim como eu
Acorda em festa e manifesta a sua alegria
Como criança vai curtindo sua fantasia
Um dia é Robin, pode ser o Mancha Negra
Super-Pateta, Superhomem, Rei da brincadeira.
Os Golden Boys lembraram o Fantasminha Camarada:
Gasparzinho, fantasminha camarada
Que só quer com as pessoas conversar
Mas coitado do Gaspar, só dá mancada
Quando aparece todos correm a gritar.
E a fantasia corre solta. Vejam “Solte o meu nariz” de Fábio Gaz e Vadão:
Vou pra Nigéria
Tomar banho de água quente
Antes que Batmam
Me pegue e me arrebente
O público é mesmo uma incógnita. O Homem Morcego andava com iboope baixíssimo quando por volta de 1989 ressurge impoluto com a batmania. Surgem os filmes. Surge o batmóvel e o batcóptero para desespero da algibeira dos pais. Sua cidade Gothan City foi título de uma canção de Jards Macalé e Capinam no IV Festival da Canção. A música captava a imagem sombria do lugar mas o público não percebeu e quase escalpeou o avançado Macalé. Por falar em cidade, Benito de Paula revolveu ser cicerone de Charlie Brown:
Ê meu amigo Charlie
Ê meu amigo Charlie Brown
Se você quiser vou lhe mostrar
A nossa São Paulo, terra da garôa
Bahia de Caetano, nossa gente boa
A lebre mais bonita do Imperial
Meu Rio de Janeiro e o nosso carnaval, etc.
Aí chega a anárquica Rita Lee com “Arrombou a Festa” com o visível intento de introduzir algo no ventilador
Ai, ai, meu Deus
O que foi que aconteceu
Com a Música Popular Brasileira
Todos falam sério
Todos levam a sério
Mas esse sério me parece brincadeira
Benito lá de Paula como o amigo Charlie Brown
Revive nesses tempos
O velho e chato Simonal, etc, etc.
Um dos mais populares sem dúvida é Mandrake. Foi bastante adjetivado no Brasil. O sujeito “meio mandrake” é o espertalhão ou gay “por fazer desaparecer”, ou aquele capaz de resolver as situações mais enroladas. Surgiu em 1934 e sempre foi fiel aos quadrinhos. Arnaud Rodrigues lembra-se dele:
Virou uma arruaça
Lá na praça da vida, lá na praça da vida
Tem um par de violas
Igual a Bob Dylan, igual a Bob Dylan
E tem um crioulo que faz um som de guitarra
Que gosta de Mandrake
Mas parece o James Hendrix
Outro non-sense, agora de Eduardo Dusek: “Cadilirock”:
Ele não sabia de nada, no entanto
Pelo circo ele era o melhor
Nem sabia se era bicho ou se era gente
Só sabia cantar Ave Maria em lá menor
Debaixo de uma lona furada
Ele era trapezista, era domador
Seguia um palhaço ou um mágico
Mandrake.
Guilherme Lamounier usa bem a imagem em “Eu gosto de fazer o que ela gosta”:
Eu gosto de fazer o que ela gosta
Oh, meu amor, eu sou um ícone índio apache
E você é a princesinha lá do forte
Você é Xuxa e eu sou Mandrake
E o nosso amor tem sempre um truque novo.
O primitivo Brucutú que sem dúvida inspirou os Flinstones não podia estar ausente. Otolino Lopes, Adauto Michilis e Waldyr Ferreira lançaram-no no carnaval:
No tempo do Brucutu
Dinossauro era automóvel
E garoto era gugu
O homem arranjava mulher
Somente com uma beijoca
Puxava pelos cabelos
E carregava pra toca
Roberto Carlos na época pueril da Jovem Guarda gravou-o numa versão de Rossini Pinto:
Olha o Brucutu, Brucutu
Nas histórias em quadrinhos
Das revistas, dos jornais
Olha o Brucutu, olha o Brucutu
Há um tipo curioso e até divertido demais
Olha o Brucutu, olha o Brucutu
O lugar onde ele vive todos sabem que é Mu.
Os americanos como sempre previram o filão e em 1966 o maestro Ray Martin lançou um LP chamado “The Great Themes from Comic Strips.” Pelo tamanho a composição de Theotônio e Alberto Pavão “Família Buscapé” é um almanaque:
Bem pra lá do fim do mundo
Certa vez em brejo Seco eu fui parar
Visitei uma família engraçada
Que é a dona do lugar
O nome dela é, é família Buscapé
O marido é o Lucifer
Mas quem manda na casa é a mulher
A Chulipa é muito forte
E a família sempre faz que ela quer
Quando eu quis tomar um banho
Procurei e não achei nenhum banheiro
Me disseram que a família toma seu banho
De lama no chiqueiro
Eu jantei mas não gostei
A Chulipa me deu sopa de fatia
E depois um horroroso
E mal-cheiroso ensopado de gambá
Violeta muito assanhada
O seu noivo Fernandinho quis beijar
O coitado que não é de nada
Foi saindo para não se complicar
Bem para lá do fim do mundo
Nunca mais em Brejo Seco eu vou parar
Visitei mas não gostei
Da família mais gozada do lugar
O nome dela é, é família Buscapé.
O Superhomem surgiu em 1938 e um ano depois já aterrisava entre nós. Clark Kent se chamava então Edu. O mais política dos heróis, lutou contra nazistas, fascistas e japoneses durante a Segunda Grande Guerra. John Kennedy apareceu numa de suas histórias dando conselho aos jovens. Cristofer Reever, seu intérprete na tela, esteve no Chile em defesa de artistas chilenos ameaçados e declarou: “nem o Superhomem dá jeito na situação aqui”. Em 1973 os Fevers gravam em versão de Rossini Pinto “Superman” onde vira conselheiro sentimental:
Você faz o que quer
Tem poder, sabe mais
Tem o mundo inteiro a seus pés
Se você quiser
Quero ver você fazer
Meu amor voltar pra mim
Superman, Superman
Onde é que está você
Superman, Superman
Quero ver o seu poder
Não sei viver assim.
Caetano coloca-o em seu rol na crítica contra os desvarios da supervalorização:
Superbacana, Superbacana
Superhomem, Superflit
Supervinc, Superhist, Superviva.
Gil o vê romanticamente:
Quem sabe o Superhomem venha
Nos restituir a glória
Mudando como Deus
O curso da história
Por causa da mulher.
Um ano depois surge mordendo-lhe os calcanhares, tonitroante, o Capitão Marvel. Ainda bem que brigaram nos tribunais e a partir de 1945 este último foi proibido de ser editado nos Estados Unidos. Mas voou para cá e Antonio Barreto, Pedro Paraguasú e Euclides Machado não tiveram cerimônia em lhe solicitar os préstimos:
Ao chegar em casa
Alta madrugada
Eu li
Em uma folha do Gibi
A história de um turbante de cetim
E terminei sonhando que gritava assim:
Capitão Marvel!
Uma quadrilha assaltou meu bangalô, ôE além do anel roubou-me tudo
Inclusive meu amor
SHAZAM! SHAZAM!
Socorro, por favor ô, ô
Fiquei de tanga
Sem o meu ventilador
Se ele incomodou o Superhomem, não ficou impune, seus desenhistas criaram-lhe um adversário capaz de infernizar sua vida, um cri-cri genial: Dr. Silvana, lembrado por Gil em “O Sonho Acabou”:
O sonho acabou desmanchando
A trama do Dr. Silvana
A trama do Dr. Fantástico
E o melaço de cana.
A fase das heroínas liberadas começou com a sensual Barbarella, em 1962. No carnaval de 71 estava na passarela:
Eu sou a Barbarella sensacional
Cheguei tem meia hora de Marte
Eu vim pra brincar o carnaval
Barbarella, Barbarella
Ela é bonita, ela é bela
Barbarella, Barbarella
Ela vai sair lá na Portela.
Reaparece em “Retiros Espirituais”, bonita canção de Gil, onde ele tece as palavras com muita competência:
Nos meus retiros espirituais
Descubro coisas tão normais
Como estar defronte de uma coisa
E ficar
Horas a fio com ela
Bárbara bela tela de TV
Você há de achar gozado
Barbarella dita assim dessa maneira
Brincadeira sem nexo
Que gente maluca gosta de fazer.
Lone Ranger (Carnavalesco Solitário), uma das historietas mais populares nos Estados Unidos, viajou para cá onde também conquistou a garotada. Só que, sabe-se lá baseado em que (talvez a máscara, única coisa em comum), batizaram-no Zorro. O herói não nasceu em quadrinhos, mas num programa radiofônico em 1932 e caiu em tal apreço do público que seis anos depois saltou com igual desenvoltura para os jornais. Nada tem a ver com o homônimo mexicano que combatia os invasores espanhóis na velha Califórnia colonial, e atazanava a vida do Sargento Garcia, que projetou-se pelo cinema baseado no romance “A maldição de Capistrano” de Johnston Mcculley. Já o justiceiro dos quadrinhos com seu cavalo Silver e o fiel escudeiro, o índio Tonto, aventurava-se pelo oeste americano. Zé Ramalho em “O Monte Olímpia” requisita o cavalo para a escalada. Afinal o corcel era anunciado capaz de ser “rápido como a luz”:
Vou subir o Monte Olímpia
A morada dos deuses, a morada dos loucos
Das pessoas que embarcam todo dia
Para um escaler
Perdidos escombros dos ossos de quem quiser
Vou subir no monte, num automóvel de luz
Num navio viking, no cavalo do Zorro.
“3 x 4 de um Homem”, de Turkley, traça um futuro nada otimista:
Então você abaixa num terreiro de macumba
Pega um baita resfriado e ainda morre de cachumba
Você pensa ser um Zorro mas não passa de um
Tonto
Esquece que a vida só existe uma vez
Cabelos já estão brancos e verdade amolece
E o único remédio é procurar INPS.
Fecho as páginas da revista sonora que folheamos juntos, num passeio cúltico, creio dos mais enternecedores.