Jamelão, sem papas na voz

Um conceituado crítico musical afirmou certa vez que se tivesse estudado canto teria sido um dos maiores tenores do Brasil. Sisudo, mal-humorado, resmungão, não fazia concessão  aos chatos nem aos fãs mais afoitos, mesmo os já consagrados. Tereza Cristina, a excelente cantora que revigorou o samba carioca levou o maior fora ao tentar dialogar com ele. Toni Garrido quis beijar-lhe mão e tomou um chega-pra –lá: “ Pra quê? Não sou Pai de Santo!”Usava elásticos envolvendo os dedos e indagado por um fotógrafo a razão daquilo cuspiu fogo:” Você quer bater meu retrato ou saber da minha vida?”

Num famoso programa de TV onde recusou um selinho da apresentadora explicou: “São para prender os maços de dinheiro no dia em que as gravadoras me pagarem direito.” Sua implicância com as empresas se evidencia num diálogo com Monarco quando este cobrou-lhe: “ Quando vai gravar um samba meu, Jamela?” Foi irônico: “Faça um iê-iê-Iê que eu gravo. É isso que os homens querem…”Implacável com os presidentes de Escolas que proibiram os sambas de terreiro: “A verdade é que baniram o samba de terreiro. Os sambas que não podemos cantar nas quadras  os sambistas que estão fazendo sucesso podem.Se eu quisesse cantar  o “ Vai Vadiar” na Portela não deixariam, mas o Zeca Pagodinho foi lá, cantou e foi sucesso.” Uma fã   quis   beijar-lhe a bochecha e foi desencorajada à sua maneira: “ Moça, eu não sei onde você andou com essa boca” Não deixava para depois suas contundentes respostas. Detestava ser chamado de puxador de samba: “ Eu não puxo carro nem fumo. Eu sou é intérprete!”    Reforçava tal atitude o fato, que pouca gente sabe, de ser investigador policial. Quase desconhecido é seu nome de batismo:  José Bispo e que estaria completando  100 anos em 2013. Jamelão é uma fruta preta de origem indiana. Como naquela época não havia a paranoia do politicamente correto, o apelido dado por um radialista foi aceito sem repulsa. Quando mais jovem foi chamado de Moleque Saruê também sem estrilos. Na juventude, antes de começar a cantar foi jornaleiro e engraxate, cavaquinista e tocou tamborim na bateria da Mangueira.Mas queria mesmo era ser cantor. Trabalhava numa fábrica quando o seresteiro Onéssimo Gomes o levou para cantar pela primeira vez em público numa gafieira em Vila Isabel. Depois o mesmo Onéssimo , adoentado, pediu que o substituísse no dancing onde se apresentava.Passou a fazer a ronda dos dancings,o que lhe deu enorme versatilidade, e peregrinar por programas de calouros, inclusive o do exigente Ary Barroso, onde tirou a nota máxima. Muitas depois gravaria dele, de forma extraordinária o samba “ Folhas Mortas”. Depois de vencer um concurso na Rádio Clube em 1947 foi contratado e  deslanchou. Antes havia participado de programa em outra emissora sem se firmar. Basta dizer que em 1949 , Francisco Alves, o maioral no cenário artístico , deveria defender um samba em Concurso Carnavalesco. Só que recebeu irrecusável proposta para se apresentar em São Paulo, avisando em cima da hora. E quem foi chamado para substituí-lo ? Jamelão! E ganhou. Mas quem gravou foi Chico Alves e a música foi o maior estouro. Certa vez, já famoso, foi cantar Folhas Mortas, então um enorme sucesso, num festival. O maestro Radamés Gnatalli resolveu caprichar fazendo um arranjo com longa introdução. Jamelão , cansado, dormiu segurando o microfone , e quando acordado, ainda meio zonzo, soltou a voz em música diferente: “Mangueira, teu cenário é uma beleza…”, outro êxito seu na época.  Foi então , por fim, contratado por uma rádio e logo chegou á primeira gravação em 78 rotações onde numa das faces , acreditam, cantou um baião chamado “ A jiboia comeu.”Mas logo pegou seu estilo que revela influência de Ciro Monteiro. Em 1956 já despontava com Leviana de ZÉ Kéti e Amado Regis. Em 1950 já começava a se aproximar do samba-enredo. A consagração com Folhas Mortas ( Sei que falam de mim/sei que zombam de mim(…) Hoje sou folha morta/que o destino transporta…) e Exaltação a Mangueira de Enéias Silva e Aloisio Costa ( Mangueira , teu cenário é uma beleza/que a natureza criouôô…) veio em 1956.Esta repercutiu muito no carnaval. Mas fez outras conquistas no reinado de Momo como: “Eu agora sou feliz ,de sua autoria e Mestre Gato,  Quem samba fica,com Tião Motorista,  Fechei a porta,de Sebastião Mota e Ferreira dos Santos, O samba é bom assim de Norival Reis e Helio Nascimento.”Foi um dos primeiros a difundir o partido-alto. Intérprete-mor de Lupicínio Rodrigues difundindo notáveis sambas contundentes como “ Exemplo e Ela disse-me assim.”Matriz e filial” de Lúcio Cardim provocou debulhamento lacrimal no público feminino.
Admira Chico Buarque e gostaria de ter gravado “ Olhos nos Olhos.”Bom gosto não?  A mais bela voz para ele é da cantora Cláudia uma das mais injustiçadas pela mídia nacional.
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