Neste mês de maio de 2012 o Brasil perdeu um dos seus maiores cantores de todos os tempos aos 86 anos: Jorge Goulart. Como não resguardamos nossa memória cultural a nova geração não tem a mínima ideia do valor deste excelente artista.
A mídia lastimavelmente foi totalmente omissa em relação ao acontecimento. Jorge foi um dos principais nomes da “Era do Rádio” nos anos 60. Iniciou a carreira em 1943 cantando em dancings e sua primeira gravação foi um fracasso pois tentava o quase impossível: imitar Nelson Gonçalves. Foi dispensado. Anos depois, já famoso, vejam vocês, substituiu Nelson numa filmagem onde este deu o bolo.
O mundo dá voltas… Continuou insistindo e em 1950 grava para o carnaval “Balzaquiana” de Wilson Batista, um dos nossos maiores sambistas e do caricaturista Nássara:
“Papai Balzac já dizia
Paris inteiro repetia
Balzac tirou na pinta
Mulher só depois do trinta.”
A música foi um sucesso e tornou popular o termo relativo às trintonas. Em 1951, os mesmos autores e novo êxito com “Sereia de Copacabana”:
“O meu coração não me engana
eu quero uma sereia de Copacabana.”
Em 1952 se destaca com “Mundo de Zinco” dos mesmos autores coringas:
“Aquele mundo de zinco que é Mangueira
Desperta com o apito do trem.”
Em 1958 organizou com o apoio do governo JK caravanas musicais que percorreram a África, Ásia e Europa (Rússia). Fazia palestras sobre a cultura negra brasileira e apesar de ateu por convicções políticas (era comunista convicto e atuante) recebeu de pais de santo famosos o título de “Obá de Xangô”, homenagem antes só prestada a Vinícius, Caymmi e Jorge Amado.
É, mas as viagens aos países comunistas lhe custaram caro: foi demitido da Rádio Nacional onde estava há 15 anos e perseguido. Ironicamente isso aconteceu em 1964, ano em que lançaria sua marca eterna no carnaval, a marchinha de João Roberto Kelly, “Cabeleira do Zezé”, que anima os foliões até hoje. E o tal Zezé existiu. Era garçom de um bar que KELLY frequentava , que usava cabelo grande. O compositor fez a música de estalo. Zezé ficou bravo com o “será que ele é…?”
Teve o grande mérito de ser o primeiro divulgador de notáveis do samba de morro como Silas de Oliveira, Candeia, Elton Medeiros, Zé Keti e outros. A receita do sucesso é mistério impenetrável. Em 1951 nos festejos de Momo se destacou a marcha “Tomara que Chova” de Paquito e Romeu Gentil. Pois bem, ela foi oferecida a Jorge que não fez fé. Essa falta de olho clínico dos intérpretes não é incomum. “Mamãe eu Quero”, do cômico-caipira Jararaca e do maestro Vicente Paiva, que correu mundo foi recusada por Silvio Caldas que a achou fracota.
Pior foi com “Amélia” (Ataulfo Alves e Mário Lago) também não aceita por Silvio e outros figurões como Orlando Silva. Ciro Monteiro e Moreira da Silva (não gravo marcha fúnebre)! “Volta por Cima”:
“Levanta
sacode a poeira
dá a volta por cima”
foi gravada por Inesita Barroso no lado B de um 78 rotações por não ter nada para preencher. Vanzolinni, o autor que estava no estúdio, então muito timidamente ofereceu sua música que se tornou um dos maiores sambas de todos os tempos. Francisco Alves virou as costas para “O Teu Cabelo não Nega” dos Irmãos Valença, pernambucanos, que Lamartine Babo “acariocou”.
Teve muitos romances no cenário artístico como Linda Batista, Emilinha Borba e Dalva de Oliveira logo após a separação tumultuada desta de Herivelto Martins. Depois sossegou, ajeitou a trouxa com a cantora Nora Ney com quem viveu 27 anos. Quando se conheceram ela o achou bastante pernóstico mas acabou indo na lábia. Falando em Nora Ney, é lembrada como cantora de fossa, se destacando nos sambas-canções que os bossanovistas detestavam como: “Ninguém me Ama” de Antonio Maria e Fernando Lobo. Pois bem antes da dor-de cotovelo foi ela a primeira a gravar um rock, em inglês, no Brasil: o famoso “Rock Around the Clock”, do filme “Balanço das horas” que provocou o maior quebra-quebra nos cinemas mundiais quando Bill Halley e seus Cometas surgiam ensandecidos na tela.
O destino é mesmo implacável: Jorge teve um câncer de laringe e parou de cantar quando ainda tinha uma voz maravilhosa.