A axé-music serve para pular. O pagode foi desvirtuado. A sertaneja é um bolerão ruim. O único que resiste é o forró. Essas são opiniões do pesquisador Renato Vivacqua. Segundo ele, a MPB está na UTI.
Ele é apaixonado por Música Popular Brasileira desde os tempos que curtia a adolescência no subúrbio do Rio no Meier, embalado pelas canções de Tito Madi, Nelson Gonçalves, Lúcio Alves, Ângela Maria e tantos outros nomes que produziram sons de qualidade e sensibilizavam o então presidente Getúlio Vargas que comumente abria as portas do Palácio do Catete para espirituosos saraus. Por toda a década de 50, Renato Vivacqua cultivou o sonho de tocar algum instrumento. Tinha inveja de seus colegas que conseguiam produzir sons afinados em uma gaita. Depois, assumiu uma disritmia crônica. A partir daí, começou a pesquisar a MPB. Mas só se debruçou de forma incansável sobre o tema quando se mudou para Brasília, no início da década de 60. Na solidão do planalto central, já fisioterapeuta formado, o carioca Renato Vivacqua alimentou o espírito ao colecionar discos e livros raros sobre a MPB. Ele não sabe quantos discos e livros tem. “Nunca contei, mas sei que são muitos”, diz modestamente. Já lançou dois livros sobre o tema – Música Popular Brasileira (Cantos e Encantos) e Música Popular Brasileira (histórias de sua gente). O jornalista Sérgio Cabral, seu amigo de longas datas, diz não entender como uma pessoa enfiada em Brasília, longe dos principais acontecimentos musicais, consegue escrever e pesquisar MPB. Irreverente, às vezes cáustico, ele afirma que a MPB de hoje “é lastimável”. E o motivo é um só: “A breguice tomou conta dos compositores que só produzem, com raras exceções, músicas ruins, velhos bolerões com letras indigentes”. Como pesquisador, diz que não é radical como José Ramos Tinhorão que prefere, por exemplo, Tonico e Tinoco a Tom Jobim. Com o terceiro livro já pronto, Vivacqua passa a limpo a história das composições de carnaval. Nesta entrevista, fala de fatos pitorescos da MPB e lança um olhar sobre o futuro ao prever: “A MPB ainda vai sair da UTI”.
Jornal da Comunidade – De que fala seu próximo livro?
Renato Vivacqua – O livro chama-se Crônica Carnavalesca da História. Observei, durante anos de pesquisa, que a música carnavalesca do início do século para cá foi um verdadeiro almanaque musicado. O que aconteceu no mundo, os fatos notórios, as guerras, os fatos políticos, as modas e os modismos, as grandes conquistas da ciência, tudo isso os compositores carnavalescos, como verdadeiros repórteres, captaram e transformaram em música. Isso derruba o mito de que o compositor carnavalesco era apenas aquela pessoa de cultura pequena. Eles eram muito bem informados. Eles conheciam os personagens históricos. Quando surgiu a penicilina, por exemplo, registramos a criatividade do compositor brasileiro. Uma música dizia: Penicilina cura até defunto/petróleo bruto faz nascer cabelo/Mas ainda está para existir o doutor que cure a dor de cotovelo. O autor foi em cima do aparecimento da penicilina. Com isso, cai aquele mito de que os compositores carnavalescos eram pessoas totalmente desinformadas. Cultura e educação formal eles não tinham. Mas eram inteligentes, intuitivos e talentosos. O Cartola, por exemplo, fez uma música em português castiço, As rosas não falam, e não tinha nem o primário. Mas ele lia os poetas, se informava.
Quais os grandes compositores de carnaval?
Os maiores para mim foram João de Barro (Braguinha), Haroldo Lobo, algumas músicas de Noel Rosa fizeram sucesso carnavalesco. Klecius Caldas e Armando Cavalcante, Lamartine Babo. São muitos os talentosos. A Chiquinha Gonzaga foi, na realidade, quem afirmou a música carnavalesca com Abra Alas. Até então a música carnavalesca era dispersa. Não era uma coisa palpável. Ela foi pioneira até nisso. Mais recente temos o João Roberto Keli que fez Cabeleira do Zezé. Depois a música carnavalesca se estiolou. Se transformou nessa coisa terrível que são as músicas das escolas de samba hoje, que nada tem de samba.
Como surgiu esse seu interesse pela Música Popular Brasileira?
Sou carioca suburbano, do Meier. Sempre gostei de música apesar de não ter ninguém em minha família com afinidade musical. E sentia uma enorme inveja dos coleguinhas que conseguiam tocar gaita de boca. Eu não conseguia bater um tambor. Então, comecei a ler muito sobre música popular. Certa vez, quando eu já estudava o científico, um colega me convidou para um sarau na casa dele, dizendo que o pai dele era compositor. Aí eu perguntei: que música ele fez? Aí ele respondeu: Lábios que beijei, Mágoas de caboclo. Eu nem conhecia essas músicas e ele ficou muito sentido. Mágoas de caboclo, algum tempo atrás, fez sucesso na novela Cabocla, da Rede Globo. “Cabocla seu olhar está me dizendo…..”. Dali, daquelas reuniões na casa do pai dele, que se chamava Leonel Azevedo, que formou com Jota Cascata uma das maiores duplas de compositores da música brasileira, eu tomei gosto mesmo.
Há quantos anos o senhor pesquisa a MPB?
Comecei a pesquisar mesmo quando eu vim para a solidão de Brasília. Depois de formado em Fisioterapia, vim trabalhar no Hospital de Base. Trouxe os meus disquinhos e comecei a pesquisar. Era um hobby para preencher meu tempo. Toda viagem que eu fazia visitava os sebos das cidades e comprava partitura, livros antigos de MPB. Assim eu formei o meu acervo. Não sei quantos discos tenho. Nunca os contei. O Sérgio Cabral, que é meu amigo, sempre comenta que não consegue entender como eu enfiado em Brasília, longe de onde acontecem as coisas, consigo pesquisar e escrever sobre MPB. São mais de 30 anos de estudo e pesquisa. Nesse intervalo eu ainda me formei em Direito. Mas nunca exerci. Além da música, minha paixão também é a fisioterapia.
Como o senhor define hoje a Música Popular Brasileira?
Eu hoje a defino como lastimável. Não sou um radical como José Ramos Tinhorão que para mim é o melhor pesquisador brasileiro e o que melhor escreve. Mas não chego a ser radical como ele que prefere, por exemplo, Tonico e Tinoco a Tom Jobim. Eu não chego a isso. Mas houve uma época, devido às dificuldades de se gravar um disco, que existia uma seleção natural. O processo de gravação era muito caro. Hoje em dia, diante da tecnologia, todo mundo grava. Houve uma época em que o bolero dominava o Brasil e havia muita crítica sobre isso. Mas hoje em dia está acontecendo a mesma coisa. A música dita sertaneja nada mais é do que um bolerão da pior espécie. Não sou contra os boleros. Nós temos aí o prêmio Sharp dado a Pena Branca e Xavantinho. Se você ligar a TV no Canal 2, aos domingos, no programa da Inezita Barroso, verá a música realmente caipira de raiz. Não são essas dores de cotovelo. A música sertaneja de hoje é de fossa.