Os poucos informados e os mais jovens podem deduzir que o fascínio exercido pelas novelas de televisão sobre a massa seja recente. Infelizmente não, pois o indigesto Direito de Nascer, na sua primeira versão televisada lotou o Maracanãzinho para a transmissão ao vivo do capítulo final. O zé-povinho corre o risco da intoxicação e alienação devido ao massacre desencadeado pelas emissoras, algumas produzindo até cinco novelas diárias.
O painel da Música Popular não poderia deixar de registrar este impacto e o tema tem sido cantado pelos nossos compositores, principalmente os carnavalescos, responsáveis por um pitoresco anuário musical. Vejamos como sentiram e vêm sentindo o envolvimento. Primeiro um caipira, Silveira, no seu corrido Televisão:
Na televisão
Todo dia vejo ela
Trabalhando numa novela
Está fazendo sucesso
E por isso
Eu estou muito feliz
Meu amor é atriz
Que está fazendo progresso.
Como disse acima, o intragável Direito de Nascer foi badaladíssimo. Blecaute e Brasinha conseguiram relativo sucesso com a marcha homônima:
Ai, Dom Rafael
Eu vi ali na esquina
O Albertinho Limonta
Beijando a Isabel Cristina
A Mamãe Dolores falou
Albertinho não me faça sofrer
Dom Rafael vai dar a bronca
E vai ser
Contra o Direito de Nascer.
No carnaval de 1966 juntaram-se três privilegiados, Marcelinho Ramos, Abílio Correia e Zé Luzada para fazer brotar A Novela Acabou, onde, masoquistas, lamentam o fim do suplício:
Nossa novela acabou
Ah que pena a novela acabou
Sofreu Dom Rafael
Não teve coração
Seu sofrimento foi cruel
Coitada da Maria Helena
Pobre mulher é digna de pena
Seu pai não compreendeu
O Direito de Nascer.
O Beijo da Novela, de Dalto Araújo, Cesar Moreno e S. Correia (outra trica, meu Deus!) é mais um exemplo da falta do que fazer:
O beijo que o Albertinho deu
Na Isabel Cristina
Valeu, valeu
Pelo enredo da novela
E o povo entendeu
Que ele gostava dela
Oh Albertinho, Oh Isabel
Este beijo vai dar lua de mel.
A Marcha da Novela continua fazendo render o assunto:
O negócio lá na casa dela
É ver novela, é ver novela
Me conta… Me conta
Como é que foi
O casamento do Albertinho Limonta.
Eu compro essa Mulher foi outro dramalhão que repercutiu. Raul Sampaio, Benil Santos não ficaram imunes:
Eu compro essa mulher
Por qualquer preço
Por ela eu viro o mundo
Pelo avesso.
Moreira da Silva e Rômulo Paes também cantaram a disputada senhora:
Eu compro, eu compro
Eu compro essa mulher
Estou ganhando pouco
Seja lá o que Deus quiser.
O Sheik de Agadir foi invejado por uns e esnobado outros. A novela hoje era capaz de aumentar nossa cota de petróleo:
No harém do Sheik de Agadir
Tem tantas mulheres assim
Ai, ai, Benazir
Deixa umazinha pra mim.
(Nuno Soares, Ary Pereira, Maurilio Lopes, carnaval de 1967).Eu sou o Sheik
Eu sou o Sheik bacana
Eu sou o Sheik das areias
De Copacabana
Ai, ai, ai eu tenho pena do Sheik de Agadir
Janete faz dele o que quer
E no meu harém tá sobrando mulher.
(O Sheik de Copacabana de Brasinha e Blecaute).
Vejam só a indigência dessa Onda Legal:
Oh Simonal
A onda tá legal
Até a Ioná do Sheik de Agadir
Já gritou que vai deixar cair.
A Rainha Louca passou sem pompa pelo carnaval de 1968:
É uma rainha louca
Que ainda não tem pensar
Ela não sabe o que quer
Ela não sabe amar
O Conde Demétrio falou
Que o índio Robledo é um pajé
Vive dormindo de touca
Porque Anastácia é que é mulher.
Sadi Cabral, ótimo ator e compositor bissexto (é parceiro de Custódio Mesquita nos clássicos Velho Realejo e Mulher) fez sucesso na novela Minha Doce Namorada, no papel de Seu Pepê, um velhinho legal. Achou isso suficiente para aventurar-se no carnaval de 1972 com cantor e autor e quebrou a cara:
Minha doce namorada
Patrícia, minha amada
Onde vai você?
Eu vou brincar o carnaval
Pular no Municipal
Junto com Seu Pepê.
O Bem Amado foi merecidamente um êxito. Brasinha, compositor tarimbado, com muita verve compôs a Marcha do Odorico para o carnaval de 1974:
E sou o Odorico Paraguassu
Eu sou um sujeito direito pra chuchu
Emboramente criticado
Por esses badernistas difamantes
Eu sou o bem amado
De todas as donzelas militantes.
Juntamente com Benil Santos, o mesmo Brasinha em 1965 já denunciava a obcessão novelística e seus reflexos no cotidiano:
Enquanto ela vê novela
A comida tá queimando na panela
É novela no 2
É novela no 9
É novela no3, no 8, no 6.
Eu não faço restrição ao papel que as novelas desempenham com opção de lazer, mas tenho receio que, a exemplo do futebol e do carnaval, acabem se tornando um elemento de escapismo a afastar o povo de sua realidade social.